A Confissão de Matvei

Introversões exteriorizadas.

23 setembro 2005

Das Férias Judiciais

A reboque do Governo, veio a Assembleia da República emanar a Lei n.º 42/2005 que, no essencial, reduziu um mês às férias judiciais, fixando-as entre 1 e 31 de Agosto.
A opinião pública aplaudiu. Isto porque, tal como o Governo, confunde gozo de férias com férias judiciais.
Enganam-se os que pensam que os Tribunais fechavam dois meses no Verão e que magistrados e funcionários de justiça beneficiavam de privilegiado direito a férias.
Só os mais desatentos não sabem que os Tribunais funcionam em todos os dias úteis, mesmo nos períodos de férias.
Esta lei apenas reduziu o período em que os prazos judiciais estão suspensos.
Foi isto que o Governo não disse, demagogicamente, porque a medida caía bem na opinião pública mal informada.
Não se pense que, por força desta lei, os magistrados trabalhavam menos e que agora trabalharão mais. Fá-lo-ão, outrossim, de maneira diferente.
Por um lado, nos 30 dias amputados às férias judiciais realizar-se-ão julgamentos e outras diligências, o que apenas acontecia em processos de carácter urgente.
Por outro lado, usufruirão de menos tempo para estudar, elaborar despachos ou sentenças e recuperar trabalho em atraso.
Se verificarmos que cada Juiz tem, pelo menos 2 diligências por período (manhã/tarde), facilmente constatamos que escasseia o período para enriquecimento técnico ou elaboração de peças processuais.
Para este labor, as férias judiciais são fundamentais, funcionando como verdadeira válvula do sistema.
A sua redução não vem resolver os atrasos na justiça.
Pelo contrário, perspectiva-se, na minha opinião, que, com o alargamento do período de realização de diligências judiciais e de continuidade dos prazos, diminuirá o volume de diligências agendadas por dia. Ou seja, se os Juízes decidiam agendar 2 julgamentos no
período da manhã e outros tantos no período da tarde, relegando o trabalho de sapa para as férias judiciais, agora, aliviarão essa carga, realizando diariamente menos julgamentos e diligências, de modo que lhes possibilite um cabal exercício de funções.
O feitiço virar-se-á contra o feiticeiro e os Tribunais entupirão mais do que antes.
Esta lei é falaciosa e tem, também, reflexos negativos para os Advogados.
Pese embora o facto de não se vislumbrarem inconvenientes para os que exercem advocacia integrados em grandes sociedades, a verdade é que a generalidade da advocacia sofre mais um rude golpe.
Com efeito, doravante, os Advogados que exerçam actividade individualmente serão forçados a gozar férias em Agosto, encerrando os seus escritórios e perdendo um importantíssimo período que destinavam à preparação de acções mais complexas ou de estudo mais exigente e à organização do seu trabalho.
Os males da justiça proliferam mas não estão, nem nunca estiveram, nas férias judiciais. Para percebê-lo necessário é calcorrear os Tribunais deste país e verificar que alguns funcionam em verdadeiros pardieiros, sem condições de trabalho, que a grande maioria, apesar do choque tecnológico, continua a utilizar meios obsoletos, que faltam Juízes e que as leis de processo estão ultrapassadas.
Os cidadãos e os participantes da Justiça não se podem resignar a medidas pontuais e autistas, decididas sem a auscultação dos que vivem diariamente os Tribunais e conhecem os seus problemas.
A Justiça precisa, isso sim, de uma reforma, senão mesmo de uma revolução. Mas com a concertação de governantes, magistrados, advogados e funcionários judiciais.
Só assim se consagrará na plenitude aos cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais.